O plano era começar esse novo capítulo da vida sem reclamar, só mentalizando coisas boas e chegar ao destino final com boas vibrações.
Falhei miseravelmente, e vocês irão concordar comigo. Segue o relato;


Ta tudo tão ruim que neste exato momento são 16:33 da tarde do dia 25 de junho (ou seja, segundo dia de viagem de volta) e estou sentado na primeira fileira de um micro avião em direção a tudo aquilo que eu não tenho há 48 dias, ou seja: minha esposa, minha casa, minhas cachorras e minha vida canadense. Que bem ou mal, ainda assim é minha. A viagem ainda nem acabou mas eu já peguei meu bloco de notas para relatar minha extrema indignação com tudo que estou vivendo.

Essa jornada de sair do Brasil de volta ao Canadá teve início no dia 24 de junho às 4 da tarde, horário de Brasília. Ou seja, já são mais de 24 horas viajando. De Brasília até o aeroporto internacional de Guarulhos em São Paulo, depois um voo internacional até Chicago e de Chicago nos Estados Unidos até o destino final no Canadá, especificamente em Winnipeg.

Isso tudo considerando um pequeno fator, tem apenas 7 dias que me operei do pé. Na última segunda-feira, dia 17, dei entrada às 6 da tarde para internação e só tendo alta no dia seguinte às 9 da manhã. Sim, ainda estou com os pontos no pé, ele continua inchado e durante essas 24 horas meu querido pé recém operado não veio para cima, muito pelo contrário - totalmente para baixo. E aqui começa o relato dessa viagem que ainda não acabou.

De Brasília até São Paulo a viagem foi incrível. A companhia aérea AZUL me tratou super bem. Me buscaram de cadeira de rodas e tive acompanhamento em todo o processo de viagem; check in, revista, despacho de mala, ajuda ao embarcar e ao me posicionar no meu assento. 


1º VOO: Sentado na 1ª poltrona com as pernas esticadas. Brasília - Guarulhos



Na chegada à São Paulo ainda desci da aeronave pelas escadas em uma cadeira de rodas motorizada. A mordomia e excelente tratamento se estendeu até o embarque para Chicago, e aí que começou o terror.




Fui o primeiro a entrar na aeronave da United Airlines às 11 da noite, era o único cadeirante. Quando chego no meu assento arregalo os olhos e penso: "tá errado". O comissário de bordo veio até mim, levou minhas muletas para um compartimento e depois voltou para conferir meu assento. Eu prontamente abro meu e-mail e procuro a confirmação de compra do assento.


Eu mesmo entrei no site da companhia aérea e escolhi a classe 'Economy Plus' o primeiro assento. A diferença dessa classe para a econômica é o espaçamento entre os bancos, logo você tem um pouco mais de espaço nas pernas. Só que eu escolhi o primeiro assento de todos, porque nele você pode literalmente esticar as pernas total porque não há cadeiras na frente. Depois desse espaço já começa a primeira classe. Pois bem, me colocaram na segunda cadeira dessa 'economy plus' e isso para mim não servia, pois o objetivo era colocar minha mala de mão no chão e meu pé em cima, para viajar com o pé elevado.

2º VOO: United Airlines me colocou numa poltrona onde eu não podia esticar o pé e nem posicioná-lo para cima.


Chamei outra comissária de bordo, dessa vez uma americana que simplesmente olhou o bilhete e grosseiramente falou que "era esse assento mesmo" e virou as costas. Nessa hora eu já estava espumando pela boca. Até que passou uma outra comissária e eu logo a chamei e já fui afirmando: "comprei esse assento aqui da frente por causa do meu pé, se vira para resolver...".


Ela foi até o comandante e começou a rodar o avião inteiro. Nesse meio tempo chega uma família, especificamente um casal, com uma bebê de colo e uma outra criança de aproximadamente 2 anos e tomam posse do meu lugar. Na hora eu entendi a palhaçada. Trocaram meu assento achando que eu era qualquer passageiro que seria caridoso com a família.

Isso porque esse lugar era o único do avião que tinha um suporte para comportar uma caminha de bebê suspensa na parede. Enquanto isso a segunda comissária que falei continuava que nem uma doida rodando pelo avião e perguntando se alguém trocaria. Até que 15 minutos depois o comandante veio até a mim e disse que não tinha outro jeito que eu iria viajar ali mesmo. 


Mulher de camisa xadrez era a mãe da criança e em frente a ela, o "berço" que fica suspenso no avião.


Fiquei considerando se eu me levantava e ia embora e esperava uma outra aeronave. O problema era até trazerem minhas muletas e eu saí dali dando show, sendo que o embarque estava encerrando e o voo completamente lotado. 


Acomodei meu pé no chão e falei pra comissária que eu iria com ele esticado no corredor, ela disse que negativo, eu não poderia obstruir a passagem. Comecei a falar palavrões em inglês e português alto alternadamente. Queria que todo mundo entendesse a minha raiva e principalmente aquele casal que estava no meu lugar. Porque não basta perder lugar, ainda iria o voo de 8 horas com o pé operado para baixo e provavelmente ouvindo duas crianças pequenas chorando o percurso inteiro. 

Quando eu achei que tudo ficaria pior, uma senhora americana sentada numa poltrona na fileira ao lado da minha me cutucou e me perguntou: "você quer trocar?". O assento dela era no corredor mas por uma disposição estranha da aeronave não havia nenhuma poltrona na frente. Como ela era senhora de idade mesmo, eu agradeci mas neguei. Ela insistiu dizendo que tudo bem, que ela trocaria porque o marido dela estaria sentado atrás dela e ela não se importava. Perguntei três vezes se ela tinha certeza. E então trocamos os assentos. 

Só que como era corredor eu não fui autorizado a colocar minha mochila para colocar meu pé pra cima. A saída foi pegar o mini travesseiro que eles oferecem, jogar no chão e pôr o pé. Foram oito horas de voo assim. 



O assento que a senhora me ofereceu para trocar. Tinha espaço pra esticar a perna mas não podia usar minha mochila para elevar o pé.



 Aterrizamos em Chicago 7 e meia da manhã, o serviço de ajuda ao cadeirante foi espetacular. Me buscou na porta do avião e me acompanhou agilizando todo o processo de alfândega comigo. Passamos por imigração, pegou as malas e levou para serem despachadas novamente, me colocou no ônibus que me transportaria até o terminal correto de embarque para o Canadá e me acompanhou o tempo todo, até que me largou às 8 da manhã no portão de embarque que eu pegaria o último voo.

Voo esse que só sairia ao meio-dia, ou seja, 4 horas de espera sem fim. Nesse momento até evitava olhar meu pé, porque da última checada ele mais parecia o de uma pessoa com elefantíase. Mas por ali me instalei. Carreguei meu celular e fiquei buscando o que fazer na internet, até o momento que eu já estava sem mais ideias e a vontade de fazer xixi apertou de vez. Então lá vou eu de muletas percorrendo uns 200 metros até o banheiro.  Cheguei lá parecendo que tinha malhado o dia todo só um lado da perna. E depois mais 200 metros para voltar. Sentei ali no portão de embarque e jurei que nem para tomar água eu sairia. 

Quando deu 11:45 da manhã o piloto da aeronave aparece e anuncia que a aeronave quebrou e o embarque aconteceria somente à 1:45 da tarde, duas horas depois do previsto. Depois de 30 minutos ele voltou a anunciar que não haveria conserto e eles estavam esperando uma nova aeronave pousar para seguir para Winnipeg e que agora o voo sairia as 2:45 da tarde. Só podia ser brincadeira da United Airlines com a minha cara.

Depois de mais de seis horas de espera, sentado em uma cadeira desconfortável num saguão de aeroporto, finalmente às 2:35 da tarde começou o embarque. Em Brasília e em São Paulo eu, cadeirante, tinha sido o primeiro a embarcar mas em Chicago não. Foi entrando todo mundo e eu dizendo para o responsável do check in: "preciso de cadeira de rodas". E nada. Quando deu 3 da tarde a cadeira chegou e eu fui o último a entrar na aeronave. 




Vale contar que a pessoa que me trouxe simplesmente me largou um pouco antes da porta de entrada da aeronave e a comissária ficou me assistindo- imóvel - eu sair da cadeira sem ajuda, colocar minha mochila nas costas, pulando que nem saci e indo de muletas para a porta de embarque. Cheguei no meu lugar, o primeiro da aeronave porque é onde vão os com necessidades especiais. O detalhe é que a aeronave é minúscula, cabendo apenas 60 passageiros. Logo, esse espaço na primeira fila não existia. Ou seja, vim com as pernas cruzadas. Nesse momento eu só tinha pena da minha perna esquerda que até segunda-feira, antes da cirurgia, era a perna boa. 


3º VOO: Chicago para Winnipeg. Minhas pernas vieram dobradas pois não havia espaço a frente.


Vim sozinho sem ninguém ao meu lado, no entanto o braço que divide a poltrona não sobe, ou seja, não ajudou merda nenhuma.

É para glorificar de pé, finalmente acabei de pousar em Winnipeg. São 5:15 da tarde, horário local (no Brasil seriam 7:15 da noite). Tive ajuda para sair da aeronave até a saída do aeroporto. Finalmente depois de 27 horas de viagem com o pé para baixo esse martírio acabou. Meu pé não poderia estar mais inchado do que está. Veja foto a seguir:



Após 27 horas de viagem com os pés para baixo, foi assim que eu cheguei em casa.


Fica aqui registrado meu sincero relato a você que pretende viajar pela United Airlines, reconsidere suas alternativas. Minha experiência foi horrível, me senti super negligenciado. E a cereja do bolo foi abrir uma das malas e me deparar com todos os quadros, que eu tinha dentro com vidro e moldura, quebrados. Isso que tudo foi embalado e posicionado na mala com cuidado. E a mala, que por ironia, ainda tinha um adesivo avisando que era frágil.

Minha mala toda vasculhada e bagunçada com vidros e molduras quebradas.



O importante é que cheguei são e salvo e pronto para começar o capítulo dois de nossas vidas canadense. Agora sim, sem reclamações. Mas essa última eu precisei fazer, diga aí.




PS¹* Eu tinha autorização do meu médico para viajar, inclusive o documento para apresentar na United Airlines que eles exigiram mas nunca pediram.



PS²* Tive que voltar ao Canadá com "mais pressa" por questões de renovação do meu visto.